ANTONIO FRANCISCO DE PAULA SOUZA


                                                                       

Antonio Francisco de Paula Souza era proveniente de uma família da elite cafeeira paulista que assumiu papel importante nos acontecimentos políticos do século XIX. Seu avô paterno, Francisco de Paula Souza e Mello, participara do processo de emancipação política brasileira como deputado das Cortes de Lisboa em 1821 e, com o desenrolar dos acontecimentos, tornou-se ainda membro da Assembléia Constituinte (Câmara Temporária), logo dissolvida pelo Imperador D. Pedro I em 1823. Decorridos dez anos, obteve vaga no Senado, lutando pela implementação de um governo representativo. Durante o período regencial, ocupou o cargo de Ministro do Império.

Seu pai, Antonio de Paula Souza, formou-se em medicina na Bélgica pela Faculdade Médica da Universidade de Louvain e teve intensa participação política durante o Império. Foi deputado provincial, deputado geral, ministro da Agricultura em 1864, elaborando, inclusive, o primeiro projeto para extinguir a escravidão no Brasil. Casou-se com Maria de Raphaela, filha do Barão de Piracicaba, e dessa união nasceu Antonio Francisco de Paula Souza, no dia 6 de dezembro de 1843, na fazenda do avô materno, localizada na cidade de Itú, São Paulo.

Paula Souza estudou no colégio Galvão em São Paulo e depois em Petrópolis, no Rio de Janeiro, na escola Calogeras. Aos 15 anos de idade partia junto a seus tios maternos, Antonio e Diogo Paes de Barros, para a cidade de Dresden – na futura Alemanha – para dar continuidade a seus estudos nos colégios de Krause e Wagner. No entanto, em 1861, foi persuadido a voltar ao Brasil pela doença de um tio.

Ainda no mesmo ano, retornou à Europa, matriculando-se na Polytechnikum da Universidade de Zurik. Na Suíça, Paula Souza envolveu-se com os motes libertários de Garibaldi, chegando a partir para Milão com a idéia de alistar-se no exército. Malgrado, retorna à Escola por seu inspirador encontrar-se preso. Acerca do interesse do estudante pelo herói, o Sr. Theodolindo Castiglione, representante dos alunos da Faculdade de Direito, em discurso de homenagem ao falecido professor acrescenta: Se não prendessem a Garibaldi em como, quando corria accesa a lucta pela Independência Italiana, elle teria, à maneira de Bayron, derramado o seu sangue generoso em defesa de um paiz, o que ligavam somente laços de sympatia. O amor da liberdade conduzia-o a esses actos de extremo altruísmo, em que a sua pessoa se confundia com a causa a que se dedicara. (Revista Polytechnica, 1918).

Por divergências com o diretor da faculdade, Paula Souza transferiu-se, em 1863, à outra escola localizada na cidade de Karlsruhe (na atual Alemanha), onde iniciou uma série de trabalhos, dentre os quais a construção da importante ferrovia Nord-Ost-Bahn. Passados quatro anos, recebeu o diploma de engenheiro, logo regressou à terra natal.

No período em que esteve fora do Brasil, redigia cartas a seu pai. Em algumas delas denotava uma visão de mundo progressista sob a ótica do quão a escravatura constituía-se em obstáculo ao desenvolvimento econômico do país: O Brazil é muito grande e a população esparsa; por conseguinte um dos elementos principaes da civilisação Brazileira vem a ser o estabelecimento de um systema de vias de communicação. Acima desse só diviso a difusão da instrucção primaria. Penso que a escravidão constitui o mais serio dos obstáculos contra esta ultima. E é ella por sua vez um dos fatores que mais pervertem os nossos costumes. Penso por esse motivo que qualquer passo tendente á introducção de trabalhadores livres adeantará e moralisará o nosso paiz.(Revista Polytechnica, 1918).

Assim, mesmo distante da nação de origem, o engenheiro preocupava-se com suas problemáticas e com a necessidade de transformação. Tanto, que em 1869 foi impresso de sua autoria um trabalho de cunho político intitulado República Federativa do Brasil.

Nesse mesmo ano, o engenheiro partia rumo aos Estados Unidos, em busca de maiores conhecimentos profissionais. No decorrer do caminho, de súbito salva-se de um naufrágio na costa de Martinica e, para completar o quadro, chegando finalmente a Nova York, depara-se, pela primeira vez, com grandes dificuldades financeiras. No seu relatório de viagem, narra as barreiras enfrentadas para conseguir trabalho e o esforço empreendido para alcançar o primeiro emprego como carregador de algodão em St. Louis, no Estado do Missouri. Somente mais tarde, veio a ser contratado como desenhista na Empresa Rockford-Rhode-Island & St. Louis, por meio do qual conseguiu juntar dinheiro para voltar ao Brasil. Não obstante, decidiu retornar à Europa, de modo mais específico à cidade suíça de Baden-Baden, onde se casou com a Sra. Ada, filha do ilustre literato Georg Herscolgly.

Já no Brasil, Paula Souza, com grande bagagem em formação tecnológica, tornou-se encarregado da construção da Estrada de Ferro Ituano (a qual ligaria Itu e Piracicaba). Sete anos depois - dando prosseguimento a essa saga de viagens - vai a Paris, ali realizando um curso de especialização em ferrovias e presenciando também a chamada Exposição Universal.

Em 1883, no Brasil, ocupa o cargo de engenheiro chefe da estrada de ferro que projetava ligar Rio Claro a São Carlos. Terminada tal obra, retorna a Itu, onde assume o cargo de inspetor geral da Ituana, aí permanecendo até o advento da República.

Na cidade de Itu, Paula Souza segue a linha de participação ativa que tanto marcara as vidas de seu avô e de seu pai. Anti-monarquista convicto, tornou-se promotor da Assembléia de Itu, cujos desdobramentos acabaram por formar o Partido Republicano Paulista.

Sob essa conjuntura, o engenheiro, eleito deputado estadual, participava da consecução da tão esperada República. Entre os anos de 1892 e 1893, exerceu três importantes cargos: presidente da Câmara Estadual de São Paulo, ministro de Relações Exteriores e, por um curto intervalo de tempo, ministro da Agricultura. Entretanto, pesaroso com as dificuldades políticas do governo de Floriano Peixoto, abdicou dos cargos administrativos, dedicando-se à formação da Escola Politécnica.

Enquanto deputado estadual elaborou o projeto da Escola, que, por sua vez, visava trazer ao país os ideários de progresso e modernização tão à lume nas cidades européias. O diferencial, no entanto, constituía-se no desafio de produzir uma tecnologia própria de tal modo que o Brasil não dependesse das importações e produções externas, seguindo, assim, o exemplo norte-americano. O mote principal nessa linha de argumentação era formar engenheiros brasileiros que pudessem dar cabo de empreendimentos, tais como as estradas de ferro.

Influenciado pelo gosto germânico na elaboração do programa, Paula Souza enfrentou forte oposição do escritor e engenheiro Euclides da Cunha, favorável à aproximação com o ideário francês.

Não obstante, a nova Escola de Engenharia de São Paulo foi aprovada em 1893 e inaugurada no dia 15 de fevereiro de 1894, contando então com 31 alunos matriculados e 28 ouvintes. No mês seguinte, já dava-se início às aulas que tiveram por localidade o prédio da Mansão dos Três Rios no bairro do Bom Retiro, onde a Escola Politécnica passava a fincar seus alicerces, ali permanecendo até o ano de 1924.

Sem sombra de dúvida, sua inauguração foi um evento de grande preeminência política, social e econômica para o País, da qual seus contemporâneos tinham consciência. Desta forma, marcaram presença diversas autoridades políticas - como o presidente do Estado Bernardino de Campos – atentos ouvintes do discurso de posse em que o diretor Paula Souza delineava a importância do advento da Escola Politécnica para o Brasil: (...) E o que é mais importante, senhores, o habito do methodo, o cumprimento do dever, a previdência e a calma reflectida, o espírito de ordem, são qualidades inherentes, essenciais para que qualquer indústria possa vingar e prosperar; e nós nos acharíamos então em condições de evitar os dissabores, os desgostos e prejuízos que agora sofremos. (Discurso inaugural da Escola Politécnica).

No dito discurso, o mestre ainda ressalta o desejo da transformação nacional por intermédio do ensino científico e a necessidade de industrialização para o progresso brasileiro frente ao seu atraso histórico.

No âmbito do modelo concebido, os engenheiros deveriam ter conhecimento multidisciplinar. Em 1899, Paula Souza estabelecia cursos práticos de Estabilidade e Resistência dos Materiais. Essas aulas foram ministradas no recém-inaugurado gabinete, um anexo do edifício principal da Escola Politécnica. Até então, o diploma era somente reconhecido no Estado de São Paulo, mas, em 1900, a partir do decreto de número 72 do Congresso Nacional, sancionado por Manuel Ferraz de Campos Salles, presidente da República, passaram a ter caráter oficial em todo o território da União.

Durante o primeiro curso especial de Resistência dos Materiais e Grafoestática, ministrado pelo fundador da Escola, houve um acontecimento curioso: os alunos revezavam-se em turnos de três para assistir às aulas. Conta-se que o professor Souza ficou furioso, ralhou severamente com os estudantes por esta atitude e, por fim, descobriu por meio do engenheiro Luis Augusto Pereira de Queiroz que o revezamento era devido ao trabalho na construção da estrada de ferro urbana, dentre os bairros da Lapa e do Ipiranga. Dessa maneira, os discentes estavam alternando-se para poder trabalhar e ganhar proventos. Sabendo disso, o mestre deslumbrou-se com a iniciativa e, então, ajudou seus alunos na construção da estrada.

Para além das preocupações tecnológicas, o fundador da mesma forma zelava pela conduta moral dos estudantes. Não aceitava “moleque” em “sua” Escola, proibia o assobio e o jogo de pelotas. Tal desvelo estendia-se inclusive ao corpo docente, cujas aulas eram por ele assistidas.

Paula Souza impunha um ritmo de trabalho constante. Quando algum personagem ilustre falecia e era homenageado, por exemplo, as aulas nunca eram suspensas na medida em que estava convicto ser somente o trabalho o propulsor mor do crescimento da instituição.

Durante o período em que esteve sob a direção da Politécnica (1894 – 1917), São Paulo se expandia. A constante chegada de imigrantes das mais diversas localidades – a maioria em busca de melhores condições de vida, da realização de sonhos, de fazer a América – imprimia à cidade um tônus de vivacidade, profusão de culturas. Na política interna, por sua vez, o governo priorizava os interesses das oligarquias cafeeiras, em detrimento a possíveis estímulos para com a industrialização nascente. E foi nesse sentido, que para viabilizar um mais rápido escoamento do café, principal produto agrícola e comercial da época, foram construídas várias estradas de ferro.

A despeito de todo esse aparato e de grande parte do país estar centrada na economia agrícola, o curso de Engenharia Agrícola possuía somente um aluno em 1897. Não obstante, sua importância era patente, tanto que em 1901 foi fundada em Piracicaba a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. A partir de 1911, o curso de Engenharia Agrícola só seria ali dado, pois esse curso foi extinto na Escola Politécnica, em 1910, quando se graduou o último aluno.

Acerca das construções das ditas obras ferroviárias, a Escola Politécnica de São Paulo teve papel ativo, introduzindo análises topográficas e de engenharia mecânica, nas quais inclusive trabalhou o fundador. Tais estudos também estimularam progressivamente a urbanização e remodelação da cidade, na medida em que ruas, pavimentações, calçadas e sistemas de esgoto eram erguidos.

Mesmo sendo incentivador da industrialização, Paula Souza tinha consciência dos percalços que obstavam seu desenvolvimento no país, tais como a falta de capitais investidos em pequenas indústrias e o fraco conhecimento técnico em comparação aos Estados Unidos.

Assim, o diretor contratou professores estrangeiros como Roberto Mange e Felix Hegg para lecionar. Mange assumiu a cadeira de Engenharia Mecânica em 1913, e construiu as primeiras máquinas de usina de açúcar no Brasil e Felix Hegg, a cadeira de Termodinâmica.

O professor realizou nesse intermeio vários discursos solenes de colação de grau aos engenheiros, nos quais postulava sua posição frente ao ofício. Percorrendo suas palavras, percebe-se que tinha uma mentalidade profissional centrada na preocupação com a educação gratuita e com a formação de cidadãos que saibam executar e praticar. Para ele cabia ao engenheiro como qualquer outro profissional(...), cumprir rigorozamente com os seus deveres, de proceder sempre com hombridade, lealdade e firmeza. (Revista Polytechnica, 1918).

Aos formandos, indicava que realizassem a conquista da natureza, em harmonia com o aproveitamento dos recursos que dela pudessem ser extraídos, interagindo, assim, de maneira a propiciar um maior bem estar social. Em um discurso, no ano de 1903, aconselha: Não considereis o título que ora recebeis como um salvo conducto para vossos erros e descuidos; conseqüentemente procedeis sempre com toda probidade profissional (...). (Revista Polytechnica, 1918)

Durante vinte e quatro anos, o professor Paula Souza foi o de diretor da Escola Politécnica de São Paulo. Entretanto, no dia 13 de abril de 1917, às 2 horas da madrugada, faleceu, preparando sua aula para o dia seguinte. O velório mobilizou toda a Escola, assim como as mais importantes figuras da época: o vice-presidente do Estado, o prefeito, secretários, engenheiros, advogados, médicos e os diretores das escolas de Medicina e Direito. Carregado pelos alunos, o cortejo fúnebre partiu da casa do fundador, na rua Aurora nº 79, em direção ao Cemitério da Consolação, onde foi sepultado.

Antônio Francisco de Paula Souza, um homem à frente de seu tempo, renovou o espírito brasileiro, trabalhando para o progresso material, industrial e intelectual do País. Para tanto, dedicou uma vida à formação, concretização e andamento profícuo da Escola Politécnica. Sem dúvida, por todos os seus feitos e contribuições à história do Estado e da Instituição, Paula Souza será sempre memória viva.


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http://www3.poli.usp.br/a-poli/historia/galeria-de-diretores/196-prof-dr-antonio-francisco-de-paula-souza.html